Alunos de Harvard disputando vagas de professor em escolas públicas? Esse é o feito de um bom programa americano
Camila Pereira
Gilberto Tadday |
O GOOGLE QUE ESPERE Jenny Tsai recusou ótimas ofertas de trabalho: opção pela sala de aula |
Para jovens como a americana Jenny Tsai, 23 anos, não faltam boas oportunidades de trabalho. Ao contrário. Há excesso delas. Aluna brilhante do curso de ciências sociais em Harvard, uma das melhores universidades do mundo, ela recebeu três propostas de emprego antes mesmo da formatura, uma delas do Google. Recusou todas. Curiosamente, Jenny preferiu tornar-se professora de uma das piores escolas públicas de Nova York, onde vai enfrentar as condições mais adversas e ganhar menos. Chama ainda mais atenção saber que a moça faz parte de um grupo bem maior. Neste ano, outros 3 700 jovens, entre engenheiros, advogados e físicos formados em algumas das melhores universidades dos Estados Unidos, fizeram a mesma opção. Ao desprezarem convites de grandes empresas e aceitarem propostas de trabalho em escolas públicas de mau ensino, eles não estão motivados por idealismo juvenil. Também não lhes falta a ambição de avançar na vida profissional. A escolha pela sala de aula se deve, na verdade, a um programa que tem conseguido alavancar a carreira dos recém-formados, segundo mostra uma nova pesquisa publicada pela revista Business Week. Trata-se do Teach for America, que recruta e treina os melhores na faculdade para trabalhar em escolas. Ligado a uma fundação sem fins lucrativos, de mesmo nome, o programa aparece entre as vinte melhores portas de entrada para o mercado de trabalho americano, à frente de outras tradicionalmente mais cobiçadas pelos jovens, como Microsoft e Nasa.
A pesquisa merece atenção por lançar luz sobre uma iniciativa bem-sucedida numa área em que países como o Brasil só têm colecionado fracassos: atrair os profissionais mais talentosos para dar aulas – ainda que por apenas dois anos, tempo de duração do programa. Conseguiu-se tal feito com um conjunto eficiente de medidas. A mais relevante delas diz respeito à formação de uma rede entre o Teach for America e algumas das instituições nas quais os recém-formados mais ambicionam trabalhar, como o banco JP Morgan, a consultoria McKinsey e as universidades Harvard e Yale. Depois de uma temporada no comando de uma classe de crianças, os jovens costumam ser automaticamente recrutados por tais instituições. Não só ocupam boas vagas como também negociam contratos mais vantajosos, que incluem, nas empresas, a presença de um tutor no início da carreira e, nas universidades, bolsas de estudo, entre outras regalias.
Gilberto Tadday |
"DAR AULAS É O MÁXIMO" Courtney não cogitava ser professora. Depois de uma temporada na escola, não quis mais sair |
Todas essas instituições decidiram apostar no Teach for America por uma razão simples: elas estão atrás dos bons alunos que vão parar lá. O programa, afinal, só aceita inscrições dos melhores da turma e, ainda assim, apenas 15% dos candidatos sobrevivem à peneira. É justamente a seleção rigorosa, feita por gente bem treinada para rastrear e até para convencer os estudantes mais talentosos a aderir à sala de aula, que explica boa parte do seu sucesso em atrair alunos de Harvard, Yale ou Princeton. Diz Amy Black, uma das diretoras da fundação, espalhada por 29 cidades americanas: "Quem decide entrar para o programa sabe que ganhará um carimbo precioso no currículo e, mais tarde, será muito bem acolhido pelas empresas". A princípio desvantajosa do ponto de vista financeiro, uma vez que esses jovens recebem o mesmo salário que qualquer professor, a opção temporária pela docência acaba se revertendo em favor de quem segue o caminho da sala de aula.
É bem verdade que a maioria dos jovens permanece como professor apenas pelos dois anos previstos no programa, para então seguir outros rumos. Sua influência positiva sobre os estudantes nesse breve período, no entanto, já justifica a experiência – e faz refletir sobre a necessidade de contar com mais desses profissionais nas escolas. Um estudo americano recente mostra que, em relação a um docente de padrão mediano à frente da classe, tais professores conseguem melhorar em até três vezes o desempenho de um mau aluno. Isso mesmo sem nenhuma experiência prévia em sala de aula, tampouco um diploma na área de pedagogia. Engenheiros e advogados precisam apenas de algum treinamento para desempenhar bem a função. E fazem isso melhor do que os demais professores. Resume o físico alemão Andreas Schleicher, no comando das avaliações conduzidas pela OCDE (organização que reúne os países mais industrializados): "Estamos diante de uma prova de que atrair os melhores cérebros para as escolas é decisivo para a melhoria do ensino".
Pesquisas mostram que escolas no mundo todo falham nessa missão básica, a de recrutar profissionais de alto nível, basicamente por não fazer da sala de aula "um ambiente desafiador". Entenda-se por isso estabelecer e cobrar metas, distinguir os professores segundo sua capacidade de ajudar os alunos a avançar e lhes descortinar horizontes na carreira. O atual programa americano, que envia os novatos às escolas públicas, trata a todos como "CEOs do ensino". Eles passam a ter objetivos bem definidos e precisam se explicar (e melhorar) caso não atinjam o resultado esperado. Por tudo isso, cerca de 30% das pessoas que estão lá e jamais haviam cogitado virar professor decidem seguir na carreira. Foi o que ocorreu com a cientista política Courtney Dowd, 26 anos. Ela, que mirava a vida acadêmica em Harvard, "amou" a experiência de dar aulas e, com a ajuda do Teach for America, foi parar numa escola de formação de diretores de escola. Diz Courtney: "Recebi todos os incentivos para ambicionar uma carreira na área de educação". O Teach For America já foi copiado na Inglaterra e, em breve, chegará ao Chile e à Alemanha. No Brasil, onde 22% dos professores sequer pisaram numa universidade, algo parecido poderia contribuir para o necessário avanço da educação.
Foto Kevin Fleming/Corbis/Latinstock |
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